- Renata Abreu
Completamos 90 anos da legislação que permitiu às mulheres votarem e serem votadas, desde que os maridos autorizassem, ou, sendo solteiras, tivessem renda para seu sustento. Hoje, seria inimaginável uma situação dessa: “Amor, você permite que eu vote?” ou “Querido, queria concorrer, você me deixa?”.
Ufa, que bom que evoluímos, né? Entretanto, o resultado das recém-encerradas eleições legislativas mostra que nós, mulheres, temos muito que caminhar para alcançar a paridade de gênero na política. Na Câmara dos Deputados, saltamos de 77 para 91 mulheres (18,2%) e ocuparemos 17,7% das 513 cadeiras (hoje, somos 15%). Pela primeira vez na história da Casa, teremos duas deputadas trans. E mulheres foram as mais votadas em 8 Estados e no Distrito Federal.
Os números acima até impressionam, são avanços importantes, mas, quando lembramos que somos 51,8% dos habitantes do Brasil, 53% do eleitorado, e das 9.794 mulheres que concorreram a Câmara dos Deputados, Senado, Assembleias Legislativas e governos estaduais, apenas 302 se elegeram, salta aos olhos que temos muito ainda que lutar.
Infelizmente, somos uma sociedade onde a filosofia do machismo é muito presente, e mulher fora do padrão ‘recatada e do lar’ ainda é vista como uma ameaça a ordem social. Pode uma coisa dessa? Isso faz com que os cargos públicos e políticos representativos continuem a ser subocupados pelas mulheres. Isso tem de mudar!
Lá atrás, bem lá atrás, o espaço público foi projetado pelos homens para os homens. Um local só para eles, mulher não entrava de jeito algum. Olha só como era o cenário: até dezembro de 2015 não tinha banheiro feminino no plenário do Senado? O único existente era masculino. As parlamentares tinham de usar o sanitário do restaurante anexo. A conquista se deu porque as senadoras se uniram e passaram a exigir tratamento igual. Quando começou a obra, o Senado tinha 12 senadoras, o que representava 15% do total da Casa.
Eis o caminho para que as mulheres façam valer seus direitos, ocupem seus espaços na vida política e sejam representadas por mais mulheres: união e mobilização.
Em pleno século 21, dói ainda ouvir que política é coisa só pra homem. E escutar, inclusive de mulheres, que votar em mulher é desperdiçar o voto porque não somos capazes de conciliar maternidade, família, carreira profissional e mandato eletivo. Quem diz uma bobagem dessa realmente sabe pouco ou nada sobre o que é ser mulher! Nem conhece nossos valores e qualidades. Passamos toda a nossa existência nos superando como pessoa, mulher, mãe, filha, chefe de família, trabalhadora, líder… cuidando de si, cuidando dos outros. E muitas matando um dragão por dia.
Não fosse essa aversão sem nexo à presença da mulher na política, quem sabe talvez tivéssemos já nestas eleições não 91 eleitas para a Câmara dos Deputados, mas 100, 200 ou 50% ou mais das 513 cadeiras, paridade que já ocorre em Ruanda (61,3%), Cuba (53,4%) e Nicarágua (51,7%) e México (50%), segundo a União Interparlamentar (UIP), que analisa 193 países. O Brasil ocupa o 146º lugar.
Para mudar essa triste e enganosa definição de que mulher não serve para política é preciso participar, dentro e fora do poder. Nossa missão vai ser ecoar as vozes das 108,7 milhões de brasileiras, que são tão capazes quanto os homens de transformar nossa sociedade. E merecem respeito e crédito.
- Renata Abreu é presidente nacional do Podemos e deputada federal reeleita por São Paulo