- Por RenataAbreu
O que leva uma multidão sair às ruas para pedir a volta do AI-5? Sinto calafrios só de imaginar que existam pessoas defendendo o retrocesso da nossa democracia. Sou de uma família que sofreu com esse instrumento de repressão. Meu tio Dorival de Abreu foi uma das milhares de vítimas, preso e torturado e com seus direitos políticos (era deputado federal) cassados.
Baixado em dezembro de 1968, relembrado até hoje como ‘o ano que nunca acabou’, o AI-5 produziu um elenco de ações arbitrárias de efeitos duradouros. Deu poderes para a ditadura fechar o Congresso, intervir nos Estados sem respeitar as limitações constitucionais, proibir manifestações populares, cercear o direito de ir e vir, censurar jornais, revistas, teatro e música, acabar com o habeas corpus, suspender os direitos políticos de qualquer pessoa, cassar mandatos e prender todos os que fossem considerados ‘inimigos’ pela ditadura militar brasileira.
Com 20 mil vítimas de tortura, mais de 400 mortes e desaparecimentos (muitos corpos não foram localizados até hoje), 7 mil pessoas exiladas e 800 prisões por razões políticas, o AI-5 foi uma licença para matar nos porões da ditadura. Com esses números tristes e horripilantes, é sério mesmo que os manifestantes de agora querem o fim das liberdades democráticas? Desejam que os seus direitos fundamentais sejam suprimidos e substituídos pelo medo e pelo terror de Estado? Porque é isso que o AI-5 faz.
Vivemos em um estado democrático de Direito e não podemos aceitar manifestações que defendem a volta de um instrumento empregado pela ditadura militar que tomou o poder pelo golpe e governou o Brasil de 1964 e 1985.
Tenho certeza que o brasileiro informado e consciente não quer isso. Não quer perder sua liberdade e o direito de ir e vir. Quer publicar seus posts nas redes sociais sem patrulhamento. Poder ler o que quiser, sem censura. Quer ter assegurado o seu direito constitucional de votar. Quer viver sem medo! E isso só é garantindo pela democracia!
Enfrentamos delicado momento de crise econômica, de pandemia bacteriológica e até certa tensão institucional entre os poderes políticos e jurídicos, mas temos forças e capacidade para voltarmos à normalidade. Não é hora de queda de braço, não é hora de aventar sobre golpe, impeachment ou ‘forças ocultas’. A polarização só incita o ódio e a discórdia na sociedade, principalmente nas redes sociais onde, não raro, vemos comentários sugerindo cadeia, morte e até campos de concentração para os ‘inimigos’ de A ou B. Nossa democracia não pode retroceder jamais!
O povo brasileiro, que enfrentou com lágrimas, sangue e mortes um passado tão cruel, não precisa de heróis, civis ou militares, nem de messias ou salvador da pátria. O povo brasileiro precisa de líderes comprometidos em fortalecer cada vez mais a democracia e as instituições democráticas para reconduzir o Brasil nos trilhos de grande potência. E não se faz democracia sem política!
Pelo bem do Estado de Direito, é preciso reconstruir o equilíbrio entre os Poderes e os laços que nos unem enquanto brasileiros. E que as questões sejam resolvidas pelo Executivo e pelo Legislativo, que detêm a legitimidade democrática garantida pelo voto do cidadão.
Precisamos trabalhar mais pelo Brasil que queremos e pensar menos em esquerda X direita ou comunismo X fascismo X socialismo, buscando democrática e conjuntamente as soluções que o nosso país precisa com urgência para voltar a caminhar pra frente. Para nunca mais cogitar a volta do repugnante AI-5 e sua repressão.
- Renata Abreu é presidente nacional do Podemos e deputada federal por São Paulo